O moderno uso da violência como arma política não é uma invenção do fundamentalismo islâmico ou do grupo de Bin Laden. A prática remonta à Revolução Francesa e foi assumindo diversas faces ao longo dos últimos 200 anos | ||||||||||||||
por Osvaldo Coggiola Há quem diga que vivemos hoje uma “era do terrorismo”. Artigos e livros são publicados, em profusão, analisando até a “filosofia” do terror. Em todas as áreas do conhecimento, surgem especialistas nas mais diversas modalidades do fenômeno: militar, bacteriológico, econômico, político, jurídico e até familiar. Eleito inimigo número um da civilização, no seu uso atual o termo designa uma atividade que seria um fim em si mesmo, desvinculado de qualquer outro objetivo que não o da sua própria execução. O dicionário #Aurélio# apresenta duas definições para o vocábulo. Segundo a primeira, terrorismo seria um “modo de coagir, ameaçar ou influenciar outras pessoas, ou de impor-lhes a vontade pelo uso sistemático do terror”. De acordo com a segunda, seria uma “forma de ação política que combate o poder estabelecido mediante o emprego da violência”. Na contra-corrente de tais definições, alguns autores afirmam que o terrorismo não é senão a política auxiliada pela violência, de modo exclusivo ou não. De um modo geral, afirma-se que é uma tática de luta contra a ordem estabelecida, mas o próprio poder pode ser terrorista quando faz uso dos mesmos meios, a violência, para atingir seus fins. Com definição tão ampla, é possível detectar formas de terrorismo ao longo de toda a história humana. Os processos “contra a bruxaria” na Europa Moderna, que afetaram um milhão de pessoas entre 1484 e 1739 e espalharam um clima de denúncias, suspeição e terror por cidades e aldeias do Velho Continente, se encaixariam perfeitamente nessa categoria. Tais processos estão na origem da popular expressão “caça às bruxas”. O conceito de “terrorismo” no seu sentido contemporâneo, porém, surgiu com a Revolução Francesa. O período compreendido entre setembro de 1793 e julho de 1794, caracterizado pela violência e as execuções utilizadas pelos revolucionários para enfrentar as forças da reação, deu origem ao termo, que apareceu pela primeira vez em 1798 no suplemento do Dicionário da Academia Francesa. A expressão passou então a ser utilizada para caracterizar o extermínio de pessoas de oposição ao regime e a violência promovida pela autoridade governamental instituída. O “Terror”, em sentido político, ficou associado à revolução (democrática). Para Marx, “o Terror na França nada mais foi do que o método plebeu para acabar com os inimigos da burguesia, o absolutismo, o feudalismo, e o espírito pequeno-burguês”. Referindo-se à derrota da revolução de 1848 na Áustria, o pensador alemão afirmou que “os massacres sem resultados nas jornadas de junho e outubro, a fastidiosa festa expiatória em fevereiro e março, o canibalismo da contra-revolução, convencerão os povos de que para abreviar, simplificar e concentrar a agonia mortífera da velha sociedade só existe um meio: o terrorismo revolucionário”. Na segunda metade do século XIX, o terrorismo foi associado à ação dos grupos anarquistas, também chamados de niilistas, que adotavam a violência como estratégia política e foram muito ativos tanto em paises europeus como em outros continentes. Não por acaso, a atividade terrorista foi especialmente importante na Rússia czarista, país marcado por uma forte opressão social onde o regime autocrático interditava toda ação ou expressão política. O nível de repressão na sociedade russa era tamanho que nem mesmo as reformas promovidas pelo czar Alexandre II entre 1861 e 1865 foram suficientes para aliviar o clima de descontentamento de amplos setores sociais. Muito pelo contrário. As medidas que aboliram a servidão da gleba, criaram as câmaras municipais (zemstvos) e atenuaram a censura na imprensa e nas universidades desagradaram a todos: à nobreza porque tornou os camponeses "insolentes"; a estes, porque tiveram que se endividar para obter sua autonomia; e à intelligentsia, que considerou as reformas insuficientemente profundas. Foi em meio a este clima de insatisfação que surgiu, entre as camadas esclarecidas da população, a primeira tentativa de derrubar o regime por meio de um movimento não-palaciano. Os populistas (narodniks, em russo), que batizaram seu movimento de "Terra e Liberdade", definiram o objetivo de convencer a massa rural a sublevar-se contra o czar.O fracasso dessa tentativa, e a repressão que se seguiu, levou-os a se embrenharem no caminho do terrorismo político. Acreditavam que abatendo as figuras exponenciais do regime czarista provocariam a rebelião popular. O Catecismo do revolucionário, escrito pelos russos Netchaev e Bakunin, se converteu em um breviário ideológico do terrorismo político. O revolucionário era definido como um morto em sursis, uma pessoa que já tinha renunciado à vida em prol da revolução, o que tornava “normal”, por exemplo, um atentado suicida. A Rússia virou a pátria do terrorismo. O açoitamento dos presos políticos levou Vera Zasulich a expressar a indignação geral com um atentado contra o general Trepov. Seu exemplo repercutiu entre a intelectualidade revolucionária, desprovida do apoio das massas. O que começou como um ato de vingança perpetrado de forma inconsciente se transformou em um verdadeiro sistema entre 1879 e 1881. Assim como na Rússia, as ondas de atentados anarquistas na Europa Ocidental e na América do Norte também se produziram depois de alguma atrocidade cometida pelo governo, como fuzilamentos de grevistas ou execuções de opositores políticos. A fonte psicológica mais importante do terrorismo era o sentimento de vingança. Já exilado por Stálin, Trotsky continuava a defender o uso do terrorismo em determinadas circunstâncias: “Nossos inimigos de classe têm o costume de queixar-se de nosso terrorismo. Eles gostariam de pôr o rótulo de terrorismo em todas as ações do proletariado dirigidas contra os interesses do inimigo de classe. Para eles, o método principal de terrorismo é a greve (...) Se por terrorismo se entende qualquer coisa que atemorize o prejudique o inimigo, então a luta de classes não é outra coisa senão terrorismo. E o único que resta considerar é se os políticos burgueses têm o direito de proclamar sua indignação moral acerca do terrorismo proletário, quando todo seu aparato estatal, com suas leis, polícia e exército não é senão um instrumento do terror capitalista”. No mesmo texto, porém, Trotsky reafirmava a oposição do marxismo ao terrorismo individual: “Que um atentado terrorista, mesmo um que obtenha "êxito", crie confusão na classe dominante, depende da situação política concreta. A confusão terá vida curta; o estado capitalista não se baseia em ministros de estado e não é eliminado com o desaparecimento deles. As classes a que servem sempre encontrarão pessoas para substituí-los; o mecanismo permanece intacto e em funcionamento. Todavia, a desordem que produz um atentado terrorista nas filas da classe operária é muito mais profunda. Se para alcançar os objetivos basta armar-se com uma pistola, para que serve esforçar-se na luta de classes? Para nós o terror individual é inadmissível precisamente porque apequena o papel das massas em sua própria consciência, as faz aceitar sua impotência e volta seus olhos e esperanças para o grande vingador e libertador que algum dia virá cumprir sua missão”. Nas décadas do primeiro pós-guerra, o terror foi o principal método de ação do nazi –fascismo europeu, cada vez mais generosamente apoiado pelas classes empresariais, que pensavam assim se libertar do “fantasma do comunismo”. Na URSS “comunista” de Stálin, porém, um sistema de terror foi montado pela burocracia governante, que primeiro exterminou toda a velha geração bolchevique e, depois, toda manifestação de oposição política e social. Nas vésperas e durante a II Guerra Mundial, sistemas totalitários, baseados num verdadeiro terrorismo de Estado, varriam toda a Europa, desde a Espanha até a Sibéria. Era, nas palavras de Victor Serge, “meia-noite no século”. A escalada de violência culminou com um ato terrorista inédito: em 6 de agosto de 1945 um bombardeiro norte-americano lançou sobre a cidade japonesa de Hiroshima a Little boy, a primeira bomba atômica da história. A explosão devastou 10 km²,, matou de imediato 100 mil pessoas e continuou por muito tempo a provocar formas inauditas de sofrimento humano, vindo a causar mais de 200 mil mortes. Estava inaugurada a era do “terror catastrófico”, e não precisamente por fanáticos do islamismo...
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domingo, 11 de setembro de 2011
Dois séculos de terrorismo
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