Recente matéria veiculada na Revista UNIFICAR do Sindicato Nacional dos Oficiais da Marinha Mercante, SINDMAR, relata e esmiúça o martírio sofrido pelos marítimos para circularem no quintal de suas próprias casas, os portos brasileiros. A equipe de reportagem da revista, apenas no pequeno intervalo de tempo que levou para concluir a matéria, presenciou e descreveu casos de arbitrariedade e desrespeito ao trabalhador marítimo. Imagine se então quem passou uma vida toda Iabutando nesse ambiente. Não existe um só Comandante na Marinha Mercante que não tenha passado por constrangimentos e não cite inúmeros casos vividos por si próprio ou por seus tripulantes e familiares.
E não se diga que a aflitiva situação se deve ã implantação do Código ISPS. Ela é muito anterior. Vem desde a época em que nossos portos foram transformados em verdadeiras "fortalezas” com a implantação das Guardas Portuárias. A atual conjuntura apenas piorou a situação. O mais chocante, no entanto, é que os guardas que ficam nas cabines das ”fortalezas” não passam, com raras exceções, de meros vigias que se limitam a criar dificuldades. Os principais personagens - os maiores culpados são os mandantes; aqueles que expedem as ordens. Os insensíveis administradores, estes sim, ignorantes e arbitrários, apesar do curso superior, ou et pour couse, incapazes de darem ordens coerentes.
A implantação do Código ISPS deu a falsa impressão de que a discriminação contra os marítimos seria abrandada e que eles passariam a ser considerados de outra maneira. Afinal, que outra norma recomenda explicitamente que o marítimo deve ser diferenciado e resguardado no desempenho de sua profissão? O ISPS Code e bem claro no item 11 do Anexo l, que dizz "ao aprovar os planos de proteção de navios e instalações portuárias, os governos contratantes deverão ter consciência do fato de que o pessoal de bordo vive e trabalha no navio e necessita de licença em terra e de acesso as instalações para o bem-estar do marítimo, incluindo assistência médica”. O Código ISPS não prevê a proibição de visitantes a bordo, desde que identificados. O bem estar do marítimo, certamente, inclui a companhia de seus familiares.
Tenham dó. Esse tipo de gente não tem a mínima noção do que seja a disciplina e a hierarquia a bordo de um navio. Não tem a mínima noção da formação dos oficiais, nem mesmo das demais categorias a bordo, forma da por homens e mulheres. Para esse tipo de administrador e "autoridade”, a bordo só existem marginais, quiçá bandidos e terroristas; certamente partem dessa premissa. Enquanto as autoridades portuárias criam todo tipo de dificuldade aos tripulantes e familiares, a marginalidade de verdade esta assaltando navios, por terra e por mar, manietando e as vezes matando os tripulantes. Nas instalações portuárias, nem se fala. Invadem, arrombam, roubam e até subtraem contêineres com carreta e tudo saindo sem cerimônia pelo portão da frente. isto é simplesmente ridículo e revoltante.
Só quem vivenciou a rotina do mar pode entender; só quem já chegou em casa e viu os filhos correrem assustados sem saber quem era aquele cara é que pode entender; só quem deixou a mulher grávida e só voltou praticamente para ver o filho nascer e que pode entender; só quem teve que partir deixando a mulher ou um filho doente é que pode entender; só quem nunca teve o prazer de ver os filhos darem os primeiros passos e pronunciarem as primeiras palavras é que pode entender; só quem, depois de uma travessia oceânica, chega em casa feliz para batizar o filho com meses de idade e descobre que ele já morreu e foi enterrado, fato estoricamente guardado por sua mulher, é que pode entender; só quem, depois de meses ausente, ao tentar levar a mulher e os filhos para bordo e não conseguir, barrado por um idiota refestelado numa cabine do porto, que exige a certidão de casamento e de nascimento dos filhos, é que pode entender; só quem, depois de meses de viagem, chega ao seu país e, depois de assistir a tanta cretinice, é atacado por piratas que invadem o navio pelo mar e, por resistir em abrir o cofre e se recusar a abrir os camarotes com a chave mestra, é violentamente agredido, só não morrendo por pura sorte, é que pode entender.
É preciso uma mudança de mentalidade, dirão os incorrigíveis otimistas. Como acreditar em mudança de mentalidade? Ceticismo é a palavra certa. É preciso que nossas autoridades portuárias conheçam a vida de bordo. Saibam que lá existem pessoas que conhecem a importância de seus trabalhos em prol da sociedade; que lá existe seriedade, ordem, disciplina e abnegação, muito mais do que em muitas organizações que mais atrapalham do que ajudam. Nenhum tripulante leva nada e ninguém para bordo sem o conhecimento do Comandante ou seus prepostos, 0 Imediato e o Oficial de Serviço, e estes respondem por ele.
No navio, vale repetir, existe ordem e disciplina e esse tripulante está submetido a ela. Ninguém ingressa a bordo acompanhado sem permissão antecipada do comando do navio. Se mesmo assim houver qual quer suspeita do ”cioso vigilante do porto", basta um simples telefonema para bordo para confirmar a versão do tripulante. Ou uma simples e rápida identificação do (a) acompanhante com a concessão de um crachá para ser devolvido na saída, ou coisa Parecida. Nada mais que isso. O Código ISPS instituiu o PFSO, Oficial encarregado pela proteção portuária, e o SSO, Oficial de Segurança do Navio. Uma simples comunicação entre os dois dirimiria qualquer dúvida. Mas não há interesse do lado portuário. Além do mais, o FPSO, ao contrário do SSO, dificilmente é encontrado e quase nunca vai a bordo, o que é sua obrigação.
Da mesma maneira, o transporte de tripulantes e acompanhantes para bordo pode ser facilmente controlado. Se uma condução está indo para bordo com vários tripulantes, basta identificar o tripulante mais antigo e saber se ele se responsabiliza pelos demais e pela condução, assinando um formulário adequado. Vários Comandantes já tentaram isso e receberam um debochado sorriso do "eficiente guarda portuário” que continuou executando suas ordens cretinas. É uma total falta de respeito e consideração. Um verdadeiro non sense.
Mas os culpados disso tudo são os marítimos. Quem pode entender esses tresloucados que se submetem a uma vida tão dura e ainda tem de aturar esse tipo de tratamento preconceituoso e sem sentido?
Dedicação ao mar não tem idade
O Oficial Luiz Augusto Ventura é Diretor de Comunicação Social do Centro dos Capitães da Marinha Mercante e Editor responsável pela publicação do Boletim Informativo da entidade. Formou-se pela antiga
Escola de Marinha Mercante do Pará e ingressou na Fronape em 1962 como Segundo Piloto, ali galgando todos os postos de sua carreira até chegar a Capitão de Longo Curso. Aposentou-se em 1993 com cerca de dois milhões de milhas navegadas.
Já aposentado, recebeu convite para embarcar numa viagem a bordo do 00 Jurupema em 1996. Quando regressava ao Brasil, vindo do Golfo Pérsico, enfrentou a mais difícil missão de sua vida ao atender um pedido de socorro do navio Cipriota, que naufragava no Oceano Índico
sob condição meteorológica próxima de um furacão. O Comandante Ventura salvou 27 náufragos e seu feito teve repercussão no Brasil e no exterior. Por isto, Ventura recebeu a Medalha Distinção de Primeira Classe do então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, em Brasília. Durante a carreira, o Oficial foi condecorado com as medalhas Mérito Tamandaré e Mérito Naval.
Fonte: Revista UNIFICAR
Sindicato Nacional dos Oficiais da Marinha Mercante – SINDMAR
Edição Nº26 - Abril/2009
EDIÇÃO RETROSPECTIVA 2008
E não se diga que a aflitiva situação se deve ã implantação do Código ISPS. Ela é muito anterior. Vem desde a época em que nossos portos foram transformados em verdadeiras "fortalezas” com a implantação das Guardas Portuárias. A atual conjuntura apenas piorou a situação. O mais chocante, no entanto, é que os guardas que ficam nas cabines das ”fortalezas” não passam, com raras exceções, de meros vigias que se limitam a criar dificuldades. Os principais personagens - os maiores culpados são os mandantes; aqueles que expedem as ordens. Os insensíveis administradores, estes sim, ignorantes e arbitrários, apesar do curso superior, ou et pour couse, incapazes de darem ordens coerentes.
A implantação do Código ISPS deu a falsa impressão de que a discriminação contra os marítimos seria abrandada e que eles passariam a ser considerados de outra maneira. Afinal, que outra norma recomenda explicitamente que o marítimo deve ser diferenciado e resguardado no desempenho de sua profissão? O ISPS Code e bem claro no item 11 do Anexo l, que dizz "ao aprovar os planos de proteção de navios e instalações portuárias, os governos contratantes deverão ter consciência do fato de que o pessoal de bordo vive e trabalha no navio e necessita de licença em terra e de acesso as instalações para o bem-estar do marítimo, incluindo assistência médica”. O Código ISPS não prevê a proibição de visitantes a bordo, desde que identificados. O bem estar do marítimo, certamente, inclui a companhia de seus familiares.
Tenham dó. Esse tipo de gente não tem a mínima noção do que seja a disciplina e a hierarquia a bordo de um navio. Não tem a mínima noção da formação dos oficiais, nem mesmo das demais categorias a bordo, forma da por homens e mulheres. Para esse tipo de administrador e "autoridade”, a bordo só existem marginais, quiçá bandidos e terroristas; certamente partem dessa premissa. Enquanto as autoridades portuárias criam todo tipo de dificuldade aos tripulantes e familiares, a marginalidade de verdade esta assaltando navios, por terra e por mar, manietando e as vezes matando os tripulantes. Nas instalações portuárias, nem se fala. Invadem, arrombam, roubam e até subtraem contêineres com carreta e tudo saindo sem cerimônia pelo portão da frente. isto é simplesmente ridículo e revoltante.
Só quem vivenciou a rotina do mar pode entender; só quem já chegou em casa e viu os filhos correrem assustados sem saber quem era aquele cara é que pode entender; só quem deixou a mulher grávida e só voltou praticamente para ver o filho nascer e que pode entender; só quem teve que partir deixando a mulher ou um filho doente é que pode entender; só quem nunca teve o prazer de ver os filhos darem os primeiros passos e pronunciarem as primeiras palavras é que pode entender; só quem, depois de uma travessia oceânica, chega em casa feliz para batizar o filho com meses de idade e descobre que ele já morreu e foi enterrado, fato estoricamente guardado por sua mulher, é que pode entender; só quem, depois de meses ausente, ao tentar levar a mulher e os filhos para bordo e não conseguir, barrado por um idiota refestelado numa cabine do porto, que exige a certidão de casamento e de nascimento dos filhos, é que pode entender; só quem, depois de meses de viagem, chega ao seu país e, depois de assistir a tanta cretinice, é atacado por piratas que invadem o navio pelo mar e, por resistir em abrir o cofre e se recusar a abrir os camarotes com a chave mestra, é violentamente agredido, só não morrendo por pura sorte, é que pode entender.
É preciso uma mudança de mentalidade, dirão os incorrigíveis otimistas. Como acreditar em mudança de mentalidade? Ceticismo é a palavra certa. É preciso que nossas autoridades portuárias conheçam a vida de bordo. Saibam que lá existem pessoas que conhecem a importância de seus trabalhos em prol da sociedade; que lá existe seriedade, ordem, disciplina e abnegação, muito mais do que em muitas organizações que mais atrapalham do que ajudam. Nenhum tripulante leva nada e ninguém para bordo sem o conhecimento do Comandante ou seus prepostos, 0 Imediato e o Oficial de Serviço, e estes respondem por ele.
No navio, vale repetir, existe ordem e disciplina e esse tripulante está submetido a ela. Ninguém ingressa a bordo acompanhado sem permissão antecipada do comando do navio. Se mesmo assim houver qual quer suspeita do ”cioso vigilante do porto", basta um simples telefonema para bordo para confirmar a versão do tripulante. Ou uma simples e rápida identificação do (a) acompanhante com a concessão de um crachá para ser devolvido na saída, ou coisa Parecida. Nada mais que isso. O Código ISPS instituiu o PFSO, Oficial encarregado pela proteção portuária, e o SSO, Oficial de Segurança do Navio. Uma simples comunicação entre os dois dirimiria qualquer dúvida. Mas não há interesse do lado portuário. Além do mais, o FPSO, ao contrário do SSO, dificilmente é encontrado e quase nunca vai a bordo, o que é sua obrigação.
Da mesma maneira, o transporte de tripulantes e acompanhantes para bordo pode ser facilmente controlado. Se uma condução está indo para bordo com vários tripulantes, basta identificar o tripulante mais antigo e saber se ele se responsabiliza pelos demais e pela condução, assinando um formulário adequado. Vários Comandantes já tentaram isso e receberam um debochado sorriso do "eficiente guarda portuário” que continuou executando suas ordens cretinas. É uma total falta de respeito e consideração. Um verdadeiro non sense.
Mas os culpados disso tudo são os marítimos. Quem pode entender esses tresloucados que se submetem a uma vida tão dura e ainda tem de aturar esse tipo de tratamento preconceituoso e sem sentido?
Dedicação ao mar não tem idade
O Oficial Luiz Augusto Ventura é Diretor de Comunicação Social do Centro dos Capitães da Marinha Mercante e Editor responsável pela publicação do Boletim Informativo da entidade. Formou-se pela antiga
Escola de Marinha Mercante do Pará e ingressou na Fronape em 1962 como Segundo Piloto, ali galgando todos os postos de sua carreira até chegar a Capitão de Longo Curso. Aposentou-se em 1993 com cerca de dois milhões de milhas navegadas.
Já aposentado, recebeu convite para embarcar numa viagem a bordo do 00 Jurupema em 1996. Quando regressava ao Brasil, vindo do Golfo Pérsico, enfrentou a mais difícil missão de sua vida ao atender um pedido de socorro do navio Cipriota, que naufragava no Oceano Índico
sob condição meteorológica próxima de um furacão. O Comandante Ventura salvou 27 náufragos e seu feito teve repercussão no Brasil e no exterior. Por isto, Ventura recebeu a Medalha Distinção de Primeira Classe do então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, em Brasília. Durante a carreira, o Oficial foi condecorado com as medalhas Mérito Tamandaré e Mérito Naval.
Fonte: Revista UNIFICAR
Sindicato Nacional dos Oficiais da Marinha Mercante – SINDMAR
Edição Nº26 - Abril/2009
EDIÇÃO RETROSPECTIVA 2008
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