segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Apenas metade dos estados do Brasil adere a plano anticrack

Mais de um ano após lançado, programa voltado a usuários da droga está longe das metas
André de Souza (Email · Facebook · Twitter)


Usuários de crack na avenida Brasil
Foto: Reginaldo Pimenta / Agência O Globo




Usuários de crack na avenida BrasilREGINALDO PIMENTA / AGÊNCIA O GLOBO
BRASÍLIA — Pouco mais de um ano depois de lançado, o programa Crack, É Possível Vencer ainda está longe de alcançar suas metas e ter a adesão de todos os estados. Com previsão de gastos de R$ 4 bilhões apenas pelo governo federal até 2014, o programa terminou 2012 tendo feito parceria com 13 estados e o Distrito Federal, que têm à disposição R$ 1,35 bilhão. Outras 13 unidades da Federação ainda não aderiram.
O programa é dividido em três eixos: cuidado, prevenção e autoridade. O primeiro é de responsabilidade do Ministério da Saúde, que, segundo o secretário de Atenção à Saúde, Helvécio Magalhães, já gastou R$ 840 milhões. Mas várias metas estão longe de serem alcançadas.
Ao lançar o programa, em dezembro de 2011, o governo federal estabeleceu como meta ampliar para 24 horas por dia, até 2012, o horário de atendimento de 128 Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps-AD) já existentes. Mas, segundo dados do Ministério da Saúde, 2012 terminou com 37 Caps-AD funcionando sem interrupção. O ministério informou, porém, que o número de atendimentos feitos nesses centros subiu de 6,2 milhões em 2011 para 7,8 milhões no ano passado.
Outras metas previstas para 2014 ainda estão em ritmo lento. Em dezembro de 2011, o governo anunciou que pretendia criar 2.460 leitos em enfermarias especializadas e readequar 1.140 já existentes. Segundo o ministério, foram abertas até o momento 124 vagas em enfermarias especializadas. Além disso, houve o incentivo para a abertura ou qualificação de mais 557 leitos, para os quais já foi reservado o dinheiro necessário.
Meta: 308 consultórios de rua até 2014
Outra meta definida em 2011 é a criação de 430 unidades de acolhimento adulto até 2014, em parceria com instituições e entidades sem fins lucrativos. Segundo o ministério, em 2012 foram criadas 15 unidades que, com as 22 existentes, somam 37. Cada uma tem de 10 a 15 vagas.
O GLOBO pediu dados sobre as outras metas do eixo “cuidado”, mas não obteve resposta. Em dezembro de 2011, quando foi lançado, o programa previa, até 2014, o funcionamento de 308 consultórios de rua para atender 1,1 milhão de pessoas por ano, com foco na população em situação de rua. Além disso, no âmbito do SUS, havia metas para formação e capacitação: 350 mil auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saúde; 11 mil profissionais de saúde; 100 mil alunos de cursos de graduação da área de saúde; e 15 mil gestores e profissionais das comunidades terapêuticas; 1.659 profissionais dos Caps-AD para atuar como teleconsultores. Estabelecia-se ainda o incremento de 82% nas vagas de residência médica em psiquiatria e 304 novas vagas em saúde mental para residência multiprofissional.
A existência de várias formas de tratamento para os dependentes do crack é defendida por especialistas. Os consultórios de rua, por exemplo, fazem a abordagem à população de rua. Já as enfermarias especializadas são indicadas para os dependentes químicos com problemas mentais associados ao uso de drogas.
— É importante que existam aparelhos diferentes para dar conta da diversidade do fenômeno. Porque um dependente químico é muito diferente de outro — diz o professor Dartiu Xavier, do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes (Proad), do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O programa é realizado ainda por quatro ministérios (Justiça, Saúde, Educação e Desenvolvimento Social) e envolve outras ações. Algumas delas, como a Implantação e Implementação de Políticas de Atenção à Saúde Mental e a Atenção Especializada em Saúde Mental, tratam ainda de pacientes com outros problemas.
A parte repressiva fica a cargo do Ministério da Justiça, em ações com as polícias Federal e Rodoviária Federal, a Força Nacional, o Ministério da Defesa e as polícias estaduais, para combater o tráfico e o crime organizado, o que inclui a Operação Sentinela, na fronteira. Segundo o ministério, de junho de 2011 a novembro de 2012, 42 organizações criminosas transnacionais foram desarticuladas, e 20 mil pessoas, presas. Também foram apreendidos 350 toneladas de drogas (310 de maconha e 40 de cocaína); 2.235 armas; 7,5 mil veículos; e R$ 10,7 milhões oriundos de atividade ilícita. Mas o Ministério da Justiça gastou apenas 15% do orçamento previsto para 2012: R$ 30 milhões, em vez de R$ 200 milhões.
Ex-secretário do governo Dilma critica ações
A presença de ações como a internação compulsória é criticada por Pedro Abramovay, demitido da Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad) poucos dias após ter assumido o posto, em janeiro de 2011, no início do governo Dilma. Ele perdeu o cargo por defender que os pequenos traficantes não fossem presos. Ele diz que o governo deveria direcionar as ações nos estados e nos municípios com parcerias:
— O estado e o município podem escolher uma ação desse cardápio tão amplo, que você não tem, de fato, uma política nacional. Quando há um plano, a ideia é que haja uma política nacional que possa induzir um caminho. O correto seria dizer: quem vai pelo caminho da repressão ao usuário não vai ter apoio do governo federal. Para sair com carro da polícia atrás de usuário de droga, para fazer internação compulsória em massa, isso não funciona, é caro e só causa sofrimento para as pessoas.
Helvécio Magalhães rebate e diz que o governo tem como parâmetro a lei. E frisa que o governo está mais focado nas pessoas que buscam voluntariamente os serviços oferecidos:
— A legislação já autoriza, sob certas condições, a internação involuntária. A questão de São Paulo pode ser uma boa experiência de ter o juiz, o promotor na rua apoiando a nossa ação. Ter o Ministério Público, o Judiciário acompanhando é muito salutar, mas não é a principal questão. O importante é ofertar para as pessoas que voluntariamente buscam os serviços.
Em São Paulo, começa hoje o programa estadual de internação compulsória de dependentes de crack. Na semana passada, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) assinou um termo de cooperação com o Judiciário para acelerar os processos desse tipo de internação, que só será feita com análise médica e autorização judicial. O governo deverá dispor de 695 leitos públicos, além de vagas em clínicas particulares de reabilitação. O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivan Sartori, que assinou o termo de cooperação, informou que a Polícia Militar poderá ser chamada para cumprir as ordens de internação compulsória. Segundo o estado, só serão internados involuntariamente os dependentes sob risco de morte.
No Rio, a internação compulsória de crianças e adolescentes dependentes de crack, medida adotada pela prefeitura, ainda gera polêmica sobre sua constitucionalidade. Mas em dezembro a Justiça se manifestou favorável à iniciativa, em decisão do desembargador Paulo Rangel, do Tribunal de Justiça. Há 120 crianças e adolescentes internados em cinco centros especializados da cidade.
Número de dependentes ainda é desconhecido
O governo não dispõe de um levantamento sobre a quantidade de viciados no país. Uma pesquisa, encomendada pelo Ministério da Saúde à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ainda está em andamento. Mas o secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, Helvécio Magalhães, diz que isso não impede a realização de investimentos:
— Tínhamos expectativa de a pesquisa ter ficado pronta ano passado. Não quero fazer previsão, mas eles estão nos prometendo até o final deste semestre um dado mais refinado. Não estamos esperando isso para montar a rede.
São Paulo e Rio são alguns estados que fecharam parceria com o governo; no caso de São Paulo, ainda não há valores definidos. A maioria da verba vai para as regiões Sudeste e Sul. Os estados mais beneficiados são Minas (R$ 476 milhões), Rio de Janeiro (R$ 240 milhões), Ceará (R$ 111,8 milhões), Rio Grande do Sul (R$ 103 milhões) e Paraná (R$ 102,2 milhões).
Helvécio Magalhães evitou fazer previsão de quando todos os estados estarão participando do programa Crack, É Possível Vencer. Mas disse que o governo federal vai dar apoio a todos que se interessarem e vai focar este ano nos municípios com mais de 200 mil habitantes, onde, segundo ele, há maior presença de pessoas com dependência química. Outra oportunidade para tratar da parceria com os municípios será no encontro dos prefeitos que assumiram este ano com a presidente Dilma Rousseff, previsto para o fim deste mês.
— Não é uma tarefa fácil, porque às vezes tem recurso, decisão, mas não tem equipe. Temos que investir em formar equipe, profissionais. Mas temos um balanço positivo, na medida em que isso virou uma prioridade de governo — disse Magalhães.


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