Por: * Alessandro Dias Figueira – Picchi Figueira Advogados .
A resposta para estas perguntas nos obriga a analisar, previamente, o conceito de crime de perigo abstrato e se este ainda se tem por válido no sistema jurídico atual.Para Claus Roxin, delitos de perigo abstrato são aqueles em que se castiga a conduta tipicamente perigosa como tal, sem que no caso concreto tenha ocorrido um resultado de exposição a perigo.Segundo o professor Damásio Evangelista de Jesus, os crimes de perigo abstrato ou de mera conduta são aqueles sem resultado onde o legislador somente descreve o comportamento do agente.
A resposta para estas perguntas nos obriga a analisar, previamente, o conceito de crime de perigo abstrato e se este ainda se tem por válido no sistema jurídico atual.Para Claus Roxin, delitos de perigo abstrato são aqueles em que se castiga a conduta tipicamente perigosa como tal, sem que no caso concreto tenha ocorrido um resultado de exposição a perigo.Segundo o professor Damásio Evangelista de Jesus, os crimes de perigo abstrato ou de mera conduta são aqueles sem resultado onde o legislador somente descreve o comportamento do agente.
Victor Eduardo Rios Gonçalves conceitua o crime de perigo abstrato como sendo aqueles cuja lei descreve uma conduta e presume que o agente, ao realizá-la, expõe o bem jurídico a risco, tratando-se de presunção absoluta, bastando para a configuração, a prova de que o agente praticou a conduta descrita no tipo.
Como se sabe, a legislação criminal vigente possui uma vasta gama de delitos de mera conduta ou de perigo abstrato, dentre eles o porte de arma de fogo ou munição, previstos na Lei 10.826/2006.
Segundo o tipo penal descritivo do delito conhecido como porte ilegal de arma, o simples fato de o agente ter consigo uma arma de fogo, ou mesmo munição, consuma o crime por tratar-se de uma simples conduta que não exige o resultado.
Essa é a posição majoritária dos Tribunais pátrios, como bem se pode notar nos Acórdãos proferidos nas Apelações de número 993.06.124963-4, 1.130.629.3/7, 990.08191978-8 e 993.06.110674-4, todos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, bem como no HC 63354, Resp 1103293 e HC 110381, do STJ e ainda, o HC 96.922 do STF, exemplificativamente.
Todavia, alguns doutrinadores, dentre eles destacando-se o professor Luiz Flavio Gomes, entendem não haver qualquer justificativa para considerar-se como tal os crimes de perigo abstrato ou de mera conduta.
Para o professor Luiz Flavio, não faz qualquer sentido punir um indivíduo pela simples ação se ela não trouxer, ao menos, uma probabilidade de risco ao bem jurídico tutelado.
Ora, ao que nos parece, à esta parte da doutrina, cabe inteira razão afinal, considerando os conceitos doutrinários penais modernos, bem como a constituição vigente e os tratados de direitos humanos internacionais, dentro de uma ótica garantista, seria uma aberração imaginar a possibilidade de punir alguém por uma ação por ele praticada, que não coloca em perigo concreto, um bem jurídico relevante.
O professor Fernando Galvão, dentre outros, possui um entendimento diverso na medida em que defende a idéia de que o Estado pode criminalizar condutas de risco potencial, desde que socialmente relevantes.
Para ele, é perfeitamente constitucional e aceitável que o Estado, considerando o interesse público e o bem comum que devem estar acima dos interesses individuais, criminalize algumas ações ou condutas que tenham potencial ofensivo a um bem jurídico relevante.
Com a máxima vênia, não comungamos deste entendimento, uma vez que não se pode, ou ao menos não se deve punir um cidadão, por ter ele praticado uma conduta que, por si só, não tem nenhum potencial ofensivo a qualquer bem jurídico.
Neste diapasão enquadra-se o porte de arma desmuniciada ou somente munição.
Como bem assevera o professor Luiz Flavio Gomes, “A inaptidão da arma gera a atipicidade da conduta, porque, com sua impropriedade material, ela perderá a potencialidade lesiva que caracteriza o conteúdo do injusto. Isso decorre do fato de que a finalidade do tipo é evitar o perigo emergente do relacionamento ilícito com armas de fogo, de maneira que, no exato momento em que não existir mais este “perigo” (porque o objeto material é incapaz de produzir qualquer tipo de dano), deixará de existir o delito”.
Segundo este entendimento, que reputamos mais correto, uma arma de fogo sem munição pode até ser arma, mas não é, de forma alguma, de fogo.
Não possui, uma arma desmuniciada ou mesmo a munição sem a arma, qualquer potencial lesivo, em si só. Apenas se ambas estiverem ao alcance o agente para que possa este produzir disparos de maneira efetiva e rápida, é que se poderia afirmar tratar-se de arma de fogo, e aí sim incriminar a conduta de portá-las.
Ao considerar a teoria do delito de perigo abstrato, da mesma forma que se consideraria crime o porte de uma arma sem munição ou mesmo quebrada, poder-se-ia incriminar a conduta de portar uma pedra, um pedaço de madeira ou uma garrafa de vidro pois, em princípio, poderiam elas ser usadas para ofender um bem jurídico relevante.
Não nos parece lógico, em um Estado de Direito, considerar válida tal afirmativa.
Já há alguns acenos de nossa Jurisprudência no sentido de afastar a criminalização do porte de uma arma sem munição, como bem demonstram os Acórdãos brilhantemente proferidos no HC 81057/SP do Supremo Tribunal Federal, HC 116742 e HC 50450, estes do Superior Tribunal de Justiça.
Diante do que, nos parece inafastável o fato de que o porte de arma desmuniciada, bem como de apenas munição, não constitui crime.
Nenhum comentário:
Postar um comentário