O Estado de S. Paulo - 25/02/2011
Receber, de compradores do exterior, reclamações de que as mercadorias que encomendaram não chegaram de acordo com o contratado, tanto em quantidade quanto em qualidade, é muito constrangedor para os exportadores brasileiros de produtos agrícolas. Essas queixas, que se tornam cada vez mais comuns, acarretam grandes prejuízos e podem significar a perda de mercado no futuro, em detrimento da imagem do Brasil como fornecedor. A grande maioria dos exportadores toma os cuidados necessários para atender às encomendas, mas seus esforços são frustrados pelos desvios de cargas nos portos, um tipo de crime que cresce à medida que avançam as vendas de commodities agrícolas. O que significa que a exportação brasileira, além das deficiências de infraestrutura, ainda se vê diante de falhas do policiamento portuário.
A situação tem deixado os exportadores extremamente preocupados: "Fizemos todos os esforços para reverter esse problema, mas não conseguimos", disse ao Estado (21/2) o presidente da Associação Brasileira de Exportadores de Cereais (Abec), Sérgio Mendes. "Tivemos de levar o assunto à Secretaria da Receita Federal, que começou a investigar a questão." O governo demorou para tomar providências, mas, em resposta a denúncias de exportadores, 130 mandados de prisão foram expedidos nos últimos quatro meses pela Polícia Federal (PF) contra roubos de carga em portos de São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Esta é a segunda operação do gênero efetuada pela PF. A primeira foi deflagrada em outubro do ano passado.
Ações criminosas são comuns em todos os portos do mundo, mas o que se observa no Brasil é uma flagrante ausência de vigilância nos armazéns e nas áreas de manejo de mercadorias nos terminais. Antes da Constituição de 1988, existia no País a Polícia Portuária Federal, que foi substituída pela Guarda Portuária, subordinada à Secretaria Especial de Portos, hoje vinculada à Presidência da República. Seja porque seus efetivos são insuficientes em face do maior movimento dos terminais, seja porque a Guarda não esteja equipada para fazer um trabalho eficiente de repressão, o fato é que as ações realizadas nos portos têm sido conduzidas pela Polícia Federal juntamente com a Polícia Militar dos Estados.
Os desvios de cargas à espera de embarque nos portos têm sido de grande vulto. No Porto de Paranaguá (PR), por exemplo, as investigações detectaram o roubo de 4 mil toneladas de soja e farelo, no valor de US$ 3 milhões. Isso seria praticamente impossível sem a conivência ou a participação direta de pessoas ligadas à operação portuária. Além disso, há receptadores que reexportam as mercadorias ou as dirigem para o mercado interno. Já foram identificadas quadrilhas organizadas que atuam nos portos brasileiros, que agrupam, além de criminosos comuns, caminhoneiros e funcionários das companhias estatais que operam os terminais, policiais, fiscais estaduais e donos de empresas de fachada, que servem para emitir notas frias.
Como se pode deduzir, essas quadrilhas têm fácil acesso às instalações portuárias, sendo capazes, como foi apurado, de substituir por areia os produtos subtraídos de uma carga a embarcar, colocando boa parte dela a perder. O pior é que práticas dessa ordem são desmoralizantes para o País, hoje um dos maiores exportadores mundiais de produtos agrícolas, com tendência firme de crescimento em face da expansão da demanda mundial de alimentos.
Com os interesses econômicos nacionais em jogo, o que vem acontecendo deveria determinar uma ação enérgica por parte da Secretaria Especial de Portos em colaboração com outros órgãos do governo. Não se sabe se a proposta de emenda constitucional em curso no Congresso Nacional, prevendo que a Guarda Portuária volte a ter o status anterior a 1988, teria o condão de resolver o problema. Seja como for, é obrigação do Estado, por meio das companhias que administram os portos públicos, delegados ou não a governos estaduais, prover a segurança indispensável para a atividade exportadora, tanto de produtos agrícolas como de manufaturados.
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