segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Píer em Y: prefeito muda de postura e provoca críticas de arquitetos


Negociação. O armazém 1, cuja abertura ao público é discutida pelo prefeito com Docas: o píer em Y continuaria no mesmo local, nas proximidades do Museu do Amanhã
Negociação. O armazém 1, cuja abertura ao público é discutida pelo prefeito com Docas: o píer em Y continuaria no mesmo local, nas proximidades do Museu do Amanhã Foto: Pablo Jacob
Ludmilla de Lima - O Globo
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RIO - O píer em Y, projeto para o Porto do Rio que vem provocando uma onda de protestos pelo seu conceito e localização, agora também cria polêmica pela reviravolta na posição do prefeito Eduardo Paes. Arquitetos e urbanistas criticam a postura de Paes de querer negociar seu apoio ao novo atracadouro com a Companhia Docas em troca da abertura das áreas dos armazéns 1 e 2 à circulação do público. Para especialistas, é inadmissível qualquer discussão do tipo sem que o prefeito coloque na mesa a modificação da proposta e abra o debate para a sociedade.
Projetado para ser construído entre os armazéns 2 e 3, o Y passou a chamar a atenção após simulações mostrarem o seu impacto na paisagem com os transatlânticos ancorados, que encobririam, inclusive, o Museu do Amanhã, do arquiteto Santiago Calatrava, um dos marcos do processo de revitalização da Zona Portuária.
— A cidade mais uma vez está sendo punida pela falta de liderança nas decisões urbanas. É inconcebível esse tipo de negociação, em que cada um vê somente o melhor interesse para si, quando, na verdade, o que deveria prevalecer é o interesse da sociedade — afirma o professor e conselheiro do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) Luiz Fernando Janot. — É intolerável manter o píer no lugar que interessa a Docas. Isso é uma contradição com os princípios do projeto Porto Maravilha. O poder político está se curvando ao poder econômico e à visão estritamente empresarial.
A proposta do píer é ampliar a capacidade do Porto do Rio para receber cruzeiros, especialmente durante a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. As três pernas — que, pela proposta inicial, ficariam completamente prontas somente para as Olimpíadas — podem abrigar até seis navios de turismo ao mesmo tempo, sendo que as embarcações chegam hoje a 60 metros de altura, a mesma de arranha-céus. A interferência na paisagem, composta também por bens tombados, como o Mosteiro de São Bento, virou o “Y” da questão.
A diretora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, Denise Pinheiro Machado, diz que na raiz da polêmica está a dificuldade do projeto urbano, que só se estabelece se houver uma negociação entre os diferentes agentes. O imbróglio fundiário que é a Zona Portuária, que hoje abriga interesses distintos — como os da prefeitura e os do governo federal —, também explica a ausência de um denominador comum que envolva a opinião da sociedade:
— Talvez o prefeito ache que o acesso seja mais importante do que a agressão à paisagem. Resta saber se a cidade pensa assim. Tem que ver o que está por trás disso realmente. O prefeito deve estar recebendo pressões. Há interesses econômicos, vários interesses por trás. A configuração dos interesses e o tamanho da pressão são o que vão resultar no projeto urbano.
Ela ressalta que o Y é contraditório com a revitalização da região, pois os navios minimizariam a arquitetura do Museu do Amanhã e prejudicariam a vista do público caso o espaço dos armazéns seja aberto.
— A prefeitura teria que ter força, diante da realização dos Jogos e do Porto Maravilha, para abrir os armazéns e não colocar o píer. Se uma das premissas é abrir a frente do mar para a população, então não pode ter o píer em Y — afirma a professora, destacando: — Acho que é mais importante manter a coerência da paisagem e tentar negociar esse acesso de outras formas do que estragá-la em troca de pouca coisa.
Paes já foi “terminantemente” contra
O prefeito, no dia 19 de novembro, divulgou, por meio de sua assessoria, ser “terminantemente” contra a obra do píer da forma proposta pelas Docas. Na sexta-feira, porém, Paes revelou a existência de negociações com Docas para executar o projeto da forma como fora concebido. Segundo Paes, a companhia “desalfandegaria” — liberaria para a circulação da população, sem mais o atracamento de navios — os armazéns 1 e 2. Pelo acordo, Docas se comprometeria a priorizar o lado esquerdo do píer, próximo ao armazém 3, para cruzeiros de grande porte. A outra perna seria destinada a navios menores ou de maior porte apenas em casos pontuais.
Ontem, também por sua assessoria, a prefeitura informou que “desde o anúncio do projeto não tem medido esforços na busca de uma solução negociada, de modo que não haja qualquer tipo de impacto e prejuízo no projeto de revitalização do Porto. Por isso, tem estudado alternativas em relação ao projeto original das Docas”.
Janot defende o píer na altura do armazém 6, a liberação do cais para a população, e transparência na divulgação do projeto, o que, segundo ele, ainda não ocorreu. Para o arquiteto, a mudança na postura de Paes é surpreendente:
— Falta firmeza a ele para peitar. Ele tem que peitar. É o prefeito da cidade por delegação do eleitorado, da população. Ele tem que defender os interesses públicos e não particulares.
Professor de arquitetura da UFF e coordenador do Morar Carioca pelo IAB, Pedro da Luz diz que o prefeito está fazendo negociações no varejo, sem levar em consideração o todo da obra:
— Essa mudança (de posição) não me surpreende porque segue a lógica de negociar no varejo. É o se me der isso eu topo fazer a coisa ruim. Só que não deve ser nesses termos. A gente tem que sempre pensar, para qualquer obra, a relação de custo benefício. A solução deve ser a mais bem pensada, a mais bem estruturada.
O arquiteto acrescenta que o caráter de urgência dado ao píer — cuja primeira perna deveria ficar pronta até 2014 para oferecer à Copa quartos para 10 mil hóspedes — pode atropelar os debates necessários ao desenvolvimento do projeto. O IAB nacional já fez duras críticas à sua concepção. Presidente do instituto, Sérgio Magalhães diz que a decisão de se erguer o píer deve levar em consideração a harmonia com o entorno. Ele é favorável à abertura da área dos armazéns, mas é crítico em relação ao projeto:
— Não se pode desconsiderar a imagem patrimonial da cidade. A imagem arquitetônica, ambiental, faz parte da paisagem. Tem que ser harmônico. Não pode ser uma decisão meramente sobre a profundidade das águas. Ela é importante, mas não a única a ser considerada. Há impactos importantes, por isso tem que se mostrar alternativas. Não pode ser só essa hipótese em um projeto com essa envergadura.
Sydnei Menezes, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio (CAU/RJ), vê a negociação como positiva somente se resultar na mudança da proposta das Docas:
— A negociação é positiva se houver possibilidade de revisão do projeto. Você negociar em cima de um projeto inegociável é complicado. Do ponto de vista técnico, é difícil até de entender. A gente propõe flexibilizar o projeto, e não o impacto urbanístico do projeto.
O deputado federal Otávio Leite (PSDB), que na quinta-feira promoveu audiência pública em Brasília, diz acreditar que não há mais tempo para a conclusão do píer — mesmo de parte dele — até a Copa. Ele defende que o atracadouro fique entre os armazéns 5 e 6 ou o 6 e o 7.
— O prefeito precisa ser mais bem informado das alternativas possíveis e procurar mais dados sobre as vias marítimas — diz ele.
Autoridades também são contra o Y
Autoridades engrossam o coro dos descontentes com o píer em Y. Washington Fajardo, presidente do Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural, já declarou que daria parecer contrário ao projeto se ele tivesse sido enviado ao órgão. A secretária estadual de Cultura, Adriana Rattes, chamou o píer de “absurdo”. O diretor-geral do Comitê Organizador Rio 2016, Leonardo Gryner, fez críticas severas ao projeto, que, se sair do papel, custará R$ 250 milhões à União.
Jorge Arraes, presidente da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Área do Porto, já disse que a mudança de local, além da questão estética, ajudaria o trânsito da área. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Rio abriu processo para analisar o projeto, licenciado sem consulta ao órgão. Mas a direção nacional do Iphan pediu a documentação, e a decisão sairá de Brasília, ainda sem data.


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